sábado, 10 de outubro de 2009

Um dia com... o Chefe

OJE - Lifestyle - 2009.10.09

A melhor forma de perceber a vida de uma pessoa é vivendo o seu dia-a-dia. Foi o que decidi fazer quando passei o dia, desde o nascer do sol até para lá da luz se esvanecer, no Hotel Sheraton, em Lisboa, sob a batuta do chefe Leonel Pereira.

De refeições para clientes conte-se que, para este dia, estavam previstos quase 500 pequenos-almoços, 200 almoços, alguns lanches, os jantares do costume e um "não-pára" de entrar room services. Ainda agora cheguei e já assisto à primeira reunião: antevejo um dia sem pausas e com muita informação.

Sinto alguns olhares desconfiados para uma cara fora de cena. Disfarço-me: jaleca, chapéu e calças vestidas e já me chamam chefe!

A primeira visita é pelas câmaras frigoríficas e verificação dos produtos - nesta casa a regra é o just-in-time, reduzir o mise-en-place e evitar os congelados. Assim se garante uma maior qualidade e frescura, evitando o apodrecimento precoce dos frescos e, principalmente, apesar de aumentar o risco de faltar algo, a redução dos custos.

Passado pouco mais de uma hora, rapidamente me apercebo de que ser chefe executivo vai muito além da criatividade e de saber cozinhar, é obrigatório ser-se um bom gestor.

Subimos as escadas e dirigimo-nos até à sala de pequeno-almoço: são às centenas a chegar e todos a exigir comida, bebida e alguns até champagne. Nada lhes falta, tudo o que é solicitado é servido, e até o mais exigente pedido é respondido com normalidade.

Do outro lado a energia é intensa, preparam-se tabuleiros, repõem-se travessas e enchem-se termos. Os clientes não esperam, exigem a disponibilidade imediata. Foram servidas 450 pessoas em duas horas e meia.

Não há tempo a perder, a preparação de um buffet para 200 pessoas tem de estar pronta ao meio-dia e já são quase onze. O chefe volta aos corredores que ligam as várias salas de preparação e começa o tour: sopas, entradas, saladas, quentes, frios - tudo tem uma sala e temperatura própria.

São dezenas de subchefes, cozinheiros, pasteleiros, estagiários, empregados de mesa, copeiros! São tantos e sempre tão atarefados que sempre que observo a envolvência só me lembro dos formigueiros e do seu movimento constante.

Olho para o forno e, vendo vários tabuleiros que não faziam parte da ementa falada na reunião da manhã, questiono o chefe Leonel. Com um sorriso confessa. "Além dos clientes temos de servir as refeições para o staff. Temos uma equipa que todos os dias prepara mais de 300 refeições para o pessoal. Também estas obrigam a planeamento e orçamento. A cozinha de um hotel nunca tem descanso, é preciso estar sempre alguém pronto para o que der e vier."

Almoço servido a clientes e staff, é tempo de ir para o escritório e ver os e-mails, e preparar relatórios. Os mais normais são os pedidos para ementas de grupo, mas o cargo obriga a muito mais: gestão do pessoal, pedidos de compras, controlo orçamental e, no meio destas exigências do cargo, não podemos esquecer-nos de que é obrigatório criar novos pratos.

São apenas 15 horas e o dia já está longo, mas para o chefe Leonel ainda agora chegou a meio. Responde a uns e-mails, verifica a lista de compras e assegura a troca de alguém que precisa de férias. Ufa, já estou estafado!

Vou para a primeira hora mais relaxada, a reunião com os estagiários. Entro na sala e vejo um conjunto de miúdos com idades entre os 16 e os 23 anos.

São 16 e vêm de todo o país com a esperança de aprenderem tudo o que puderem sobre o funcionamento da cozinha de hotel. A Catarina tem 22 anos e está a estudar na Escola Superior do Estoril. Tirou Design, mas agora optou por seguir o seu sonho - ser cozinheira. O Pedro tem 16 anos e vem da Escola de Turismo do Algarve. Este é o seu primeiro estágio e está indeciso entre pastelaria ou cozinha.

De sonhos e esperanças está a sala cheia, e a vontade de aprender nota-se ao absorverem todos os conselhos que o chefe partilha com o grupo.

Está na hora de jantar e subo com o chef para o restaurante Panorama. Aqui o serviço e a confecção são mais cuidados e os clientes mais exigentes.

A sala de jantar é majestosa, o serviço Christoffle e os talheres de prata são alguns dos luxos que vão fazer companhia à refeição. O facto de estar no último andar de um dos edifícios mais altos de Lisboa torna a vista simplesmente singular e magnífica.

Chega o primeiro grupo e o primeiro ticket: Vieiras, Lavagante e o Bacalhau, certamente um casal mais virado para a carne do mar.

Algumas refeições depois já se vê mais pessoal do que clientes e está na hora da despedida. Dirijo-me para os balneários e vou trocar de roupa. Mais de 15 horas a trabalhar sem parar!

É tempo de relaxar e repensar em todo o meu dia. Fica o pensamento: ser chefe executivo é um trabalho alucinante, criativo e exigente em que um dia só tem fim quando o serviço termina.

Chef Leonel Pereira
Inicia a sua carreira no Hotel Atlântis Vila Moura. Fez estágios em hotéis como o Hotel Nikko em Paris e o Hotel Cipriani em Veneza, assim como em escolas de renome internacional (Lenôtre, Alain Ducasse e Culinary Institute of América).
Exerce diversas funções em vários hotéis como: Hotel Quinta do Lago, Hotel Alexandra Palace (Suíça), Hotel Pestana Carlton Alvor e Hotéis Pestana Brasil. De 2004 a 2007 é chefe executivo e F&B Manager do Grupo Pestana Pousadas e consultor dos Hotéis Pestana Brasil.
Participa em diversas competições internacionais entre elas "Toque D'or Nestlé 1999", onde fica entre os 12 finalistas, obtendo, no final, o 3º lugar a nível nacional. Participa também no concurso "Chefe Cozinheiro do Ano", durante quatro anos consecutivos, adquirindo quatro primeiros lugares (a nível Regional, Sul e ilhas) e um terceiro a nível nacional.
É também nomeado pelo prestigiado "Guia 4 rodas", "Chefe Revelação do Ano" no Brasil. Actualmente Leonel Pereira exerce funções de executive chef no Hotel Sheraton Lisboa & Spa.

Texto publicado originalmente no Lifestyle do diário OJE a 09 Outubro de 2009

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